Sarney Filho ataca Bolsonaro

Por Luís Pablo Política
 
Sarney Filho

Sarney Filho

Ex-ministro do Meio Ambiente e atual secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, José Sarney Filho (PV), disse que a crise global em torno do desmatamento na Amazônia é de responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro, que “deu sinal verde” para as queimadas ilegais na floresta.

Em entrevista ao Valor, ele afirmou que, para além dos cortes orçamentários em órgãos-chave para a preservação ambiental, Bolsonaro dá declarações infundadas, pois está cercado de conselheiros “atrasados, ignorantes e com interesses na ilegalidade”, o que coloca o país em situação “vexaminosa” no cenário internacional.

“Se o próprio presidente dá sinais de desconstrução da política ambiental ele acaba incentivando o desmatamento, com todas as suas consequências”, alertou o ex-ministro, citando o descrédito que Bolsonaro dá aos dados oficiais que não lhe agradam e a ironia com que responde às críticas.

Sarney Filho considerou, ainda, ser inédita a percepção mundial de que o Brasil está destruindo seu patrimônio natural mais precioso. Para ele, até o agronegócio, setor caro a Bolsonaro, pode vir a ser prejudicado pelo avanço do desmatamento. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Estamos vivendo um aumento nos índices de desmatamento e de queimadas, com grande repercussão internacional. Como chegamos até aqui?

José Sarney Filho: Desde que o novo governo começou a dar declarações que fragilizaram a política de comando e controle ambiental eu já previa que o desmatamento iria ficar desenfreado, como de fato está. A relação entre queimadas e desmatamento é muito clara na Amazônia: dificilmente os incêndios são espontâneos; a grande maioria é criminosa. O fato de os dez maiores municípios desmatadores também terem focos de incêndio dá conta desta vinculação direta. Quando o governo questiona o próprio Ibama, sinaliza que multas podem ser revistas, minimiza as unidades de conservação e prega a mineração e o plantio de soja em terras indígenas, ele fragiliza todo o pilar da política ambiental. Além disso, diminuiu recursos.

Valor: O que é necessário fazer, de pronto, para conter esse cenário?

Sarney Filho: Para começo de conversa, retomar os recursos. O orçamento do Ibama é minúsculo. É um órgão que precisa retomar seu respeito. E o governo ainda descartou o investimento milionário da Alemanha e da Noruega no Fundo Amazônia. Lógico que, com tudo isso, não poderia se esperar outra coisa. Tem que ter monitoramento eficiente, servidores bem remunerados, órgãos preparados, com recursos. Devem ser feitas parcerias com governos estaduais e com a Polícia Federal, cuja atuação está aquém do esperado no combate ao desmatamento ilegal.

Valor: Se todos os órgãos ambientais funcionassem a contento, a situação seria outra?

Sarney Filho: Já é difícil conter o desmatamento com todos os órgãos funcionando adequadamente. À medida que o presidente fragiliza esses órgãos, ele fortalece o grileiro, o pecuarista ilegal, dando sinal verde para que tudo isso possa acontecer. Bolsonaro prejudica mais a política ambiental pelas suas falas do que pelas ações. As ações são ruins, mas as falas são piores. Os sinais, na questão do combate ao desmatamento, são muito importantes. Se o próprio presidente dá sinais de desconstrução da política ambiental, ele incentiva o desmatamento, com todas as suas consequências.

Valor: Quais as consequências?

Sarney Filho: Ninguém pode desconhecer a crise climática. A Amazônia é um patrimônio nosso, mas a preocupação com ela é global. Além de reter os gases do efeito estufa, a floresta é um berço de biodiversidade e tem uma importância econômica muito forte na região. É produtora de chuvas. Uma bomba que espalha água para o resto do continente. A partir do momento em que diminui a floresta, diminuem as chuvas e o mais prejudicado será o agronegócio. As barreiras ambientais e a mudança no regime das chuvas vai fazer com que haja quebra de safra muito grande. A ciência nos aponta esse tipo de consequência. E há outro problema: quando o desmatamento atinge 25%, a floresta entra em processo de autotransformação. Vira deserto, sem retorno.

Valor: Como o sr. avalia a competência das pessoas que hoje chefiam órgãos ambientais no governo?

Sarney Filho: Não gosto de citar nomes, mas Bolsonaro está cercado de conselheiros atrasados, ignorantes e, alguns deles, com interesse na ilegalidade. Ele ouve opiniões e reproduz uma série de ideias malucas, colocando o Brasil em situação vexaminosa. São pessoas que não têm tradição na área ambiental. Querem tirar proveito imediato de tudo. Estão chefiando postos-chave. São pessoas que não representam ninguém, não têm conhecimento técnico, mas feeling de negociante do século passado.

Valor: Que conselho o sr. daria ao governo sobre a política ambiental?

Sarney Filho: Ter vontade política. É importante que o ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles] e o presidente Bolsonaro tenham determinação política de conter o desmatamento da Amazônia. A maioria das queimadas é ilegal, é tirar madeira nobre, tocar fogo e colocar pasto para a atividade pecuária. É isso que está ocorrendo agora. Quem vai comprar carne proveniente de desmatamento ilegal na Amazônia? Vai prejudicar a economia. É uma percepção pública que até o agronegócio já sentiu.

Valor: Os governantes dizem que não há nada de diferente neste ano em relação aos anos anteriores e que as queimadas são próprias do período de seca. O sr. concorda?

Sarney Filho: Não. Neste ano, as condições climáticas na Amazônia foram as melhores dos últimos quatro anos. Houve menos estiagem. O aumento de focos de incêndio é responsabilidade do governo. Lógico que nesta época há mesmo mais queimadas, mas a diferença de mais de 50% entre ano passado e este significa que não é questão climática, mas política.

Valor: Se a política ambiental continuar igual até o fim do mandato, como enxerga o futuro da Amazônia?

Sarney Filho: Uma catástrofe absoluta. Se a coisa continuar desse jeito, vamos entrar na autotransformação da floresta, que é irreversível. A Amazônia sempre foi uma região rica e internacionalmente admirada, mas as emergências climáticas deram a ela uma nova importância. Cada aspecto que ajude a conter o aquecimento global ganha contorno muito forte. Sempre disse que nossa preocupação com a soberania da Amazônia só deveria existir quando houvesse a percepção mundial de que a gente estava destruindo a floresta. Isso nunca houve nos últimos anos, mas agora existe. Vai ser muito difícil, muito complicado para o Brasil.

(Com informações do Site O Valor)

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